quarta-feira, 26 de março de 2008

Uma escritura da depressão

Recebi na semana passada uma carta de um jovem de dezesseis anos, em sua segunda sessão de psicoterapia; ao me entregar o papel, levantou-se e antes de sair afirmou: "É assim que eu me sinto todos os dias...Hoje não quero falar... Tchau!". Transcrevo abaixo seu texto, dividido em tópicos, parecendo uma relação de sintomas daqueles que se encontram em manuais de psicopatologia mas que sem dúvida revelam um estado de depressão, ainda que inicial, e ainda que ele seja adolescente, trata-se de uma escritura de depressão...
  • me sinto fraco, tenho falta de ar meus ouvidos tem o som longe, minha visão é escura.
  • Tenho uma sensação de morte, sem ânimo para nada, não tenho alegria, não vejo graça em nada.
  • não tenho concentração, sinto meu corpo leve, me sinto meio Aéreo, não tenho sensibilidade a qualquer tipo de luz.
  • tenho o pensamento de que nada que eu faço ou vá fazer, vale a pena por exemplo: estudar, eu acordo e não tenho vontade de se levantar da cama, não sinto vontade de sair de casa, não me preocupo em fazer O Básico como escovar os dentes.
  • é como se o mundo tivesse parado para mim, como se eu estivesse fora do mundo, sinto medo e dúvida sobre todas essas coisas.
  • chego a pensar que estou ficando louco por sentir tudo isso, mas ainda penso e, vejo que ainda não perdi o controle da mente.

sexta-feira, 14 de março de 2008

ZÉ LIMEIRA - O Poeta do Absurdo

MOTE: Os anos não voltam mais!
GLOSA:
O velho Tomé de Souza,
Governador da Bahia,
Casou-se, e no mesmo dia
Passou a pica na esposa.
Ele fez como a raposa,
Comeu na frente e atrás,
Depois indo até o cais
Onde os navio trafega,
Enrabou o Padre Nóbrega.
Os anos não voltam mais!

domingo, 9 de março de 2008

PAULO LEMINSK


Bem no Fundo


No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto


a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo


extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

Jana e o Feitiço

Faz 3 anos que eu atendo uma jovem (hoje com 31), que chegou com sintomas da "síndrome de pânico" surgidos após separação de um casamento que durou 4 anos. Nesse pouco tempo de casada, Jana teve dois filhos (um casal) que ficaram com ela quando seu marido a deixou por uma outra mulher. Hoje ela mora em casa de sua mãe com seus filhos, um irmão e a avó; não mais se relacionou com homens, diz ter vergonha de ficar "falada" na rua em que mora, mas, depois assume que tem medo do que pode acontecer - ter relação sexual. Diz que seu sonho é arranjar um emprego e sair da casa da mãe, pois, sofre muito com as brigas constantes entre seus filhos e seu irmão, entretanto, nada faz para que isso aconteça: "Eu já deixei meu curriculum nas lojas e não me chamaram". Quando questionada sobre a quantidade de lojas e o tempo em que foram deixados os curriculum ela desconversa, muda de assunto. Porém, seu maior sonho é ver a mulher que "roubou" seu marido - utilizando a "macumba" - passar por tudo que ela passou, que ele a deixe por outra.
Fato curioso - mas não incomum - neste caso é o sincretismo religioso de Jana: que se diz católica meio praticante, já que não vai à missa todos os domingos; acompanha programas neo-pentecostais na TV e incorpora seu linguajar (Tá amarrado! Eu repreendo em nome de ...); e acredita piamente no poder da macumba, maus olhados, simpatias, horóscopos e outras manifestações daquilo que chamamos "pensamento mágico".
Um dia eu lhe perguntei: porque você pensa que a moça fez um feitiço para tomar seu marido, alcoólatra, desempregado e mulherengo, em vez de escolher algo melhor para conquistar com sua macumba?
- Sei lá doutor, vai ver é porque ela gostou dele...
- Não seria mais correto dizer que ele é que gostou dela e se deixou seduzir?
- De jeito nenhum...Mulher ele sempre arranjou, mas pra deixar a casa e demorar tanto tempo como está com essa desgraçada só sendo macumba mesmo... Feitiço existe sabia?...
Sei Jana, feitiço existe, mas, nenhum deles sai dos terreiros de macumba, nem de fadas, nem de varinhas, nem de duendes e nem de gnomos. Para além de todas essas invencionices infantis, que são muito boas para justificar nossas deficiências, o feitiço amoroso está em desejar e se fazer desejar, e isso é coisa pra gente grande.

sexta-feira, 7 de março de 2008

A Bela da Tarde


Certo dia uma bonita jovem entrou no meu consultório do Posto de Saúde, eufórica e um pouco agitada, com ares de quem não sabe ao certo o que estar a fazer ali. Ao transcrever a sessão, dei-lhe o codinome de "Belle de Jour", não porque seu caso tivesse alguma semelhança com o de Sèverine, personagem interpretada por Catherine Deneuve no filme homônimo, mas, porque ela era bela e havia sido atendida no período da tarde - pura falta de criatividade. Ela tinha 23 anos e havia sido encaminhada pelo serviço de psiquiatria do Hospital Estadual. Perguntei-lhe o motivo da consulta, respondeu que não sabia, havia sido mandada embora do emprego - camareira de um hotel - e levada ao hospital psiquiátrico sem que ninguém lhe desse explicação. Perguntei se ela estava se sentindo estranha ou fazendo algo que os outros achavam estranho; ela respondeu que estava ótima, sem problemas e de bem com a vida, e a única coisa que ela fazia de estranho - (sic) pr'os outros, pois, eu acho normal - era falar com as paredes.
- O senhor acha que falar com as paredes é alguma coisa demais?
- Não, muitas pessoas fazem isso (respondi). Mas diga-me uma coisa: a parede responde quando você fala com ela?
- É claro né doutor, ou o senhor acha que eu ia ficar falando sozinha feito uma doida!!!

O Clube da Solidão

Gilda, 63 anos, professora aposentada, sem marido, sem sexo a quase 30 anos, a dez anos mora sozinha depois que o único filho casou-se e quase nunca a visita. Sua queixa: solidão. Em suas palavras: "Sou uma mulher abandonada, primeiro pelo marido - que era o homem de minha vida - e depois pelo filho, um ingrato, que nem sequer me visita. A mulher dele não gosta de mim, e nem meus netos ela leva pra me ver, isso é vida?". Depois da aposentadoria resolveu trabalhar como voluntária no projeto "amigos da escola", única maneira de ter contato com gente, pois, caso contrário não veria ninguém. Em uma de suas noites solitárias ela descobriu um programa de rádio, o Clube da Solidão, onde se pode trocar telefones e marcar encontros entre os solitários de plantão; foi assim que ela conheceu F., 12 anos mais novo, que ficou muito interessado nela, tanto que na mesma semana saíram para jantar e almoçar. Ela me diz que ele não é seu tipo de homem, apesar de ser um sujeito agradável, disse que vai ficar só na amizade à espera de um homem especial, que tenha entre 70 e 75 anos e faça seu coração bater mais forte. Um programa de rádio despertou a mulher adormecida e me faz pensar se não seriam todas elas "belas adormecidas" a espera de um beijo que as acorde? O que quer uma mulher (perguntava Freud)? Uma resposta possível poderia ser: um beijo despertador!

domingo, 2 de março de 2008

Observações Sobre o Amor Transferencial - 2


A transferência é ambivalente; ela abrange atitudes positivas (de afeição),
bem como atitudes negativas (hostis) para com o analista que, via de
regra, é colocado no lugar de um ou outro dos pais do paciente, de
seu pai ou de sua mãe. (Freud, 1940)

Cláudia começou sua análise aos 28 anos, vinha encaminhada pelo setor de psiquiatria de um hospital particular com o diagnóstico de Esquizofrenia Paranóide. Contou-me que tivera uma forte crise havia 2 anos, durante a mesma ela quebrou móveis, agrediu pessoas da família, abandonou a faculdade e tinha pensamentos homicidas em relação ao filho e ao ex-marido. hoje ela está com 31 anos, ainda parece uma adolescente, tanto pelo vestuário como pela forma de encarar a vida - sem querer assumir muitas responsabilidades. Não teve mais crises, está trabalhando e arrumou um namorado por quem se diz apaixonada. Está feliz e com medo desse bem-estar acabar. Ontem recebi a seguinte mensagem no celular: "muito obrigada por estar me ajudando, adoro o senhor, é quase o pai que não tive, agora é que preciso mais de ti e de todos que são de Deus. Abraço, ...". Mais uma vez a velha e boa transferência...