quarta-feira, 31 de outubro de 2018

KOSNTANTINOS KAVÁFIS

Á ESPERA DOS BÁRBAROS 
(tradução de José Paulo Paes)

O que esperamos na ágora reunidos?
É que os bárbaros chegam hoje.
Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?
É que os bárbaros chegam hoje.
Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.
Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?
É que os bárbaros chegam hoje.
O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos
muitos nomes e títulos.
Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?
É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.
Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?
É que os bárbaros chegam hoje
e aborrecem arengas, eloquências.
Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?
Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.
Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Ainda as eleições...

Ainda sobre as eleições desse ano, a pergunta que não para de ser feita por aquelas pessoas mais sensíveis e avessas a violência é: como alguém pode votar - e até exaltar como "salvador da pátria" - em um candidato que afirma defender a tortura, a ditadura militar e ser fã declarado de um dos maiores torturadores e estupradores do antigo regime ditatorial o famigerado Brilhante Ustra? E o que é mais grave, com o apoio quase que maciço dos cristãos brasileiros (católicos e evangélicos), que deveriam estar horrorizados com as falas e atitudes desse candidato, já que ferem diretamente os preceitos evangélicos de tolerância e não violência pregados por Jesus.
A resposta parecia ser muito complexa, só parecia, mas basta lembrar de uma coisa só e tudo se esclarece: estamos no Brasil - a terra das contradições que não se contradizem. Como já falou um antigo cantor, compositor e cronista por tabela, o grande Tim Maia, o nosso país é o único lugar do mundo em que traficante se vicia em drogas, prostituta se apaixona, cafetão tem ciúmes e pobre é de direita. Logo, cristão apoiar tiete de torturador é muito normal, aliás, os cristãos brasileiros customizaram a Bíblia para atender seus anseios de tal forma que institucionalizou-se um vale-tudo muito louco, a começar pelos seus pastores e líderes em sua maioria ladrões, estelionatários e golpistas, que apregoam uma moral que estão longe de cumprir.
Pensei inicialmente que o povo apoiava o Bolsonaro e sua plataforma neo-fascista por medo de mais um governo desastrado do PT, acho que isso até conta para uma minoria, mas para a maioria dos eleitores dele eu vejo é identificação mesmo com sua pseudo-moralidade cristã: "Deus acima de todos e o Brasil acima de tudo", um slogan burro e oportunista para seduzir oportunistas burros. O discurso de ódio aos gays, aos direitos humanos, à emancipação feminina e às políticas públicas assistencialistas caíram como uma luva na mão de seus apoiadores, que sim, são tão preconceituosos, racistas e misóginos quanto ele - infelizmente a maioria da população pensa dessa forma.
Já ouvi apoiadores dele afirmar que votam porque ele é honesto e contra a corrupção: onde já se viu um sujeito que usa verba de gabinete para sustentar funcionário fantasma e usa o auxílio-moradia tendo casa própria ser honesto? Isso vale também para o famoso juiz da operação lava-jato Sérgio Moro, que posa de bom moço quando na realidade faz o mesmo, tão safado, corrupto e amoral quanto aqueles que julgou e mandou prender. Logo, deduzimos que não é por causa da honestidade que se vota nele, assim como não é pela idoneidade do juiz que se apoia a lava-jato, outros fatores devem existir para justificar tal fato.
O psicanalista italiano radicado no Brasil Contardo Calligaris, em seu livro "Hello, Brasil" cujo subtítulo é bem esclarecedor, "Psicanálise da estranha civilização brasileira", nos adverte para a tresloucada confusão entre o Pai que interdita (a ordem, a Lei, a verdadeira função paterna) e o Pai que não só autoriza mas até facilita o acesso ao gozo que deveria ser proibido, que permeia nossa relação com a coisa pública e com o nosso semelhante. Vivemos no império da não-lei, ou melhor, no império do "Jeitinho", logo, vale tudo: bandidos santarrões de direita e de esquerda com a graça de Deus, que aliás é brasileiro (apesar de ateu eu não tenho dúvida disso).
A palavra chave para os que não são devotos assumidos de algum candidato tomar partido nessa disputa entre o PT da "corrupção" e o fascista Bolsonaro é "Denegação"; deve-se acima de tudo não ver os defeitos de seu candidato ou partido, deve-se não escutar seus discursos cheios de ódio ou sua cara-de-pau ao afirmar que antes vivíamos num paraíso, deve-se idiotizar à direita ou à esquerda e então votar no dia 28 esquecendo-se que, ganhe quem ganhar quem perde é o Brasil. Mas é disso que o povo gosta.

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

ELEIÇÕES 2018

Pois é, não podia ter sido diferente o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais - deu Bolsonaro com ampla vantagem sobre o segundo colocado. Algumas surpresas, ao menos para mim, como ver Marina Silva (que teve mais ou menos 20 milhões de votos na eleição passada) ser superada pelo aloprado Cabo Daciolo e sua pregação neo pentecostal, e Ciro Gomes mesmo afastado dos holofotes de Brasília desbancar nomes consagrados no sudeste como Geraldo Alckmin, que aliás, foi a grande decepção dessa eleição, talvez a pá de cal que faltava para selar o sepultamento do PSDB.
No âmbito geral o candidato Jair Bolsonaro foi o grande vencedor, seu partido nanico cresceu como nunca visto, elegeu candidatos desconhecidos para a câmara federal, estadual, senado e até para os governos estaduais, mostrando que apoiar o discurso "linha dura" do capitão tiete de torturador foi a senha para levar à Brasília uma massa de deputados que não teriam muita coisa em comum senão a vinculação ao discurso "autoritário" do líder: de apresentadores de TV a ator de filmes pornô tem de tudo nesse verdadeiro balaio de gato.
É um fenômeno mesmo. A disputa ficou bem polarizada nesse segundo turno, e é aí que a porca torce o rabo: como escolher entre um discurso mais à direita de um candidato aloprado, inexperiente e não muito dado a atividades intelectuais de um lado, e, o discurso anacrônico da esquerda desmoralizada por inúmeros escândalos de corrupção e aliada ao que de pior existe na política internacional (Venezuela, Cuba, Bolívia)?
Eu já fiz minha escolha: vou ficar em casa.