2. O LIVRO DE JÓ
Um dos livros míticos do A.T. da Bíblia, incluído na galeria dos
“Livros Sapienciais” é o longo poema, provavelmente derivado de um conto
folclórico presente na tradição oral do Oriente Médio e composto por no mínimo
três autores que foi chamado de Livro de Jó. Em sua temática encontram-se
reflexões sobre a origem do mal, sobre o sofrimento dos justos, sobre o valor
educativo do sofrimente e sobretudo, a fé inexorável em quaisquer
circunstâncias. Para alguns teólogos esse é o mais antigo escrito bíblico,
anterior ao livro de Gênesis, apesar de ter sido escrito no período pós-exílio
da Babilônia, por volta do século V a.C.
No primeiro capítulo os cinco primeiros versos descrevem o gentio
Jó, da cidade de Uz, como homem próspero e temente a Deus. Entretanto o mais
surpreendente é o fato de Deus fazer uma aposta com Satanás para provar a
fidelidade de Jó. Vejamos os versículos abaixo:
6. E num dia
em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também
Satanás entre eles. 7. Então o Senhor disse a Satanás: Donde vens? E Satanás
respondeu ao Senhor, e disse: De rodear a terra, e passear por ela. 8. E disse
o Senhor a Satanás: Observaste tu a meu servo Jó? Porque ninguém há na terra
semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus, e que se desvia do mal.
9. Então respondeu Satanás ao Senhor, e disse: Porventura teme Jó a Deus
debalde? 10. Porventura tu não cercaste de sebe, a ele, e a sua casa, e a tudo
quanto tem? A obra de suas mãos abençoaste
e o seu gado se tem aumentado na terra. 11. Mas estende a tua mão, e toca-lhe
em tudo quanto tem, e verás se não blasfema contra ti na tua face. 12. E disse
o Senhor a Satanás: Eis que tudo quanto ele tem está na tua mão; somente contra
ele não estendas a tua mão. E Satanás saiu da presença do Senhor.
No verso seis,
Satanás está situado entre os “filhos de Deus”, ou “anjos” em outras traduções,
em nada lembrando aquela oposição tão fortemente realçada pelo cristianismo,
para quem Satanás (ou o diabo) permanece como o adversário de Deus (e por extensão
da humanidade) por excelência e que só será derrotado no fim dos tempos após a
volta de Cristo. Só se for outro diabo o do cristianismo, porque esse aqui não
só freqüenta as esferas celestiais como demonstra certa intimidade com o chefe.
Os versículos sete e oito dão mostras dessa intimidade, parece até um diálogo
entre dois velhos amigos que não se vêem há algum tempo.
Deus
provoca Satanás no verso oito, gabando-se de ter um adorador tão perfeito
quanto Jó, mas é imediatamente contestado, pois, se Jó o adora não é sem
motivo, alega o capeta, mas graças às bênçãos recebidas sob a forma de saúde, fecundidade,
riquezas e harmonia familiar. Nesse ponto Deus parece ficar ofendido com a
audácia do outro que lhe lança um desafio (verso onze), uma aposta que é aceita
sem questionamento.
Como um
conto ou uma poesia popular que trás ensinamentos, conselhos moralizantes e
procura entender os mistérios da existência e da(s) divindade(s) assim
prossegue o livro de Jó, que perde seus bens, seus dez filhos de uma só vez,
sua saúde, mas mantém sua fé. No final ele foi recompensado (!?): ficou mais
rico do que era, teve mais dez filhos, foi consolado pela parentela com
presentes de ouro e prata e viveu mais cento e quarenta anos. As lições que se
podem tirar da atitude de Jó e de Deus são inúmeras, mas, o principal é ter
aprendido que Deus é Deus, age como quer e quando quer, pode punir o justo e
abençoar o ímpio, e que ninguém pode entender Sua vontade ou Seus atos e ponto
final.
Entender o
livro de Jó como mais uma historieta para incutir o temor ao Senhor Deus
Todo-Poderoso na cabeça do povo seria a forma mais correta de compreendê-lo,
entretanto, os fundamentalistas o vêem como narrativa real de um evento real,
demonstrando mais uma vez o inexorável vínculo existente entre fundamentalismo
e falta de inteligência. Os cabeça-duras são tão burros que não se convencem
nem com o argumento da onisciência de Deus; pois, se Ele o é, saberia o
resultado da aposta antes mesmo de tê-la aceitado, e pouparia tempo e nem
precisaria castigar de forma tão sádica um homem reputado por “justo”.
Outra
incongruência: Deus faz um pacto com Satanás ao aceitar o desafio proposto, que
coisa mais louca não? Porém, mais louco ainda é quem acredita na realidade dessa
história, e eu conheço umas tantas pessoas que creio dever fazer um esforço
muito grande para engolir essa disputa Deus-Diabo pra ver quem tem razão. Os
cegos pelo fundamentalismo bíblico não vêem que Deus é rebaixado nessa história:
ele é retratado como provocador, vaidoso, arrogante e inseguro. È por essas e
outras que alguns militantes ateístas afirmam que a maneira mais rápida de se
tornar ateu é lendo a Bíblia, e o livro de Jó deve ter dado muita contribuição
à causa.
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