quinta-feira, 31 de outubro de 2013

OS GRANDES MITOS DA BÍBLIA – 2



2. O LIVRO DE JÓ

Um dos livros míticos do A.T. da Bíblia, incluído na galeria dos “Livros Sapienciais” é o longo poema, provavelmente derivado de um conto folclórico presente na tradição oral do Oriente Médio e composto por no mínimo três autores que foi chamado de Livro de Jó. Em sua temática encontram-se reflexões sobre a origem do mal, sobre o sofrimento dos justos, sobre o valor educativo do sofrimente e sobretudo, a fé inexorável em quaisquer circunstâncias. Para alguns teólogos esse é o mais antigo escrito bíblico, anterior ao livro de Gênesis, apesar de ter sido escrito no período pós-exílio da Babilônia, por volta do século V a.C.
No primeiro capítulo os cinco primeiros versos descrevem o gentio Jó, da cidade de Uz, como homem próspero e temente a Deus. Entretanto o mais surpreendente é o fato de Deus fazer uma aposta com Satanás para provar a fidelidade de Jó. Vejamos os versículos abaixo:

6. E num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles. 7. Então o Senhor disse a Satanás: Donde vens? E Satanás respondeu ao Senhor, e disse: De rodear a terra, e passear por ela. 8. E disse o Senhor a Satanás: Observaste tu a meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus, e que se desvia do mal. 9. Então respondeu Satanás ao Senhor, e disse: Porventura teme Jó a Deus debalde? 10. Porventura tu não cercaste de sebe, a ele, e a sua casa, e a tudo quanto tem? A obra de suas mãos  abençoaste e o seu gado se tem aumentado na terra. 11. Mas estende a tua mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se não blasfema contra ti na tua face. 12. E disse o Senhor a Satanás: Eis que tudo quanto ele tem está na tua mão; somente contra ele não estendas a tua mão. E Satanás saiu da presença do Senhor.

No verso seis, Satanás está situado entre os “filhos de Deus”, ou “anjos” em outras traduções, em nada lembrando aquela oposição tão fortemente realçada pelo cristianismo, para quem Satanás (ou o diabo) permanece como o adversário de Deus (e por extensão da humanidade) por excelência e que só será derrotado no fim dos tempos após a volta de Cristo. Só se for outro diabo o do cristianismo, porque esse aqui não só freqüenta as esferas celestiais como demonstra certa intimidade com o chefe. Os versículos sete e oito dão mostras dessa intimidade, parece até um diálogo entre dois velhos amigos que não se vêem há algum tempo.
Deus provoca Satanás no verso oito, gabando-se de ter um adorador tão perfeito quanto Jó, mas é imediatamente contestado, pois, se Jó o adora não é sem motivo, alega o capeta, mas graças às bênçãos recebidas sob a forma de saúde, fecundidade, riquezas e harmonia familiar. Nesse ponto Deus parece ficar ofendido com a audácia do outro que lhe lança um desafio (verso onze), uma aposta que é aceita sem questionamento.
Como um conto ou uma poesia popular que trás ensinamentos, conselhos moralizantes e procura entender os mistérios da existência e da(s) divindade(s) assim prossegue o livro de Jó, que perde seus bens, seus dez filhos de uma só vez, sua saúde, mas mantém sua fé. No final ele foi recompensado (!?): ficou mais rico do que era, teve mais dez filhos, foi consolado pela parentela com presentes de ouro e prata e viveu mais cento e quarenta anos. As lições que se podem tirar da atitude de Jó e de Deus são inúmeras, mas, o principal é ter aprendido que Deus é Deus, age como quer e quando quer, pode punir o justo e abençoar o ímpio, e que ninguém pode entender Sua vontade ou Seus atos e ponto final.

Entender o livro de Jó como mais uma historieta para incutir o temor ao Senhor Deus Todo-Poderoso na cabeça do povo seria a forma mais correta de compreendê-lo, entretanto, os fundamentalistas o vêem como narrativa real de um evento real, demonstrando mais uma vez o inexorável vínculo existente entre fundamentalismo e falta de inteligência. Os cabeça-duras são tão burros que não se convencem nem com o argumento da onisciência de Deus; pois, se Ele o é, saberia o resultado da aposta antes mesmo de tê-la aceitado, e pouparia tempo e nem precisaria castigar de forma tão sádica um homem reputado por “justo”.
Outra incongruência: Deus faz um pacto com Satanás ao aceitar o desafio proposto, que coisa mais louca não? Porém, mais louco ainda é quem acredita na realidade dessa história, e eu conheço umas tantas pessoas que creio dever fazer um esforço muito grande para engolir essa disputa Deus-Diabo pra ver quem tem razão. Os cegos pelo fundamentalismo bíblico não vêem que Deus é rebaixado nessa história: ele é retratado como provocador, vaidoso, arrogante e inseguro. È por essas e outras que alguns militantes ateístas afirmam que a maneira mais rápida de se tornar ateu é lendo a Bíblia, e o livro de Jó deve ter dado muita contribuição à causa.

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